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“Duvidaram da minha capacidade por ser mulher”

  • Rosa Donnangelo
  • 5 de out. de 2015
  • 3 min de leitura


Se por qualquer motivo o nome dela é citado em uma conversa com pessoas ligadas ao samba, o que mais se ouve é “Bernadete? Que voz!” ou então “Essa canta!”. A voz marcante e o sorriso largo são marcas registradas da cantora e compositora paulista Maria Bernadete Raimundo. Hoje com 64 anos, ela firmou sua carreira na Escola de Samba Unidos do Peruche, na qual atua como diretora da ala de compositores.


A paixão pelo samba vem de berço. O pai tinha um conjunto de samba e frequentemente, a batucada era feita na casa da família. Bernadete cresceu vendo as rodas de samba acontecerem. Apesar do ambiente ser predominantemente masculino e as mulheres aparecerem para servir os comes e bebes, a cantora conta que conseguia acompanhar a trajetória do pai. “Parece que eu incorporei, só que eu fui mais para o lado de cantar. E foi a partir dele que tudo começou”, relembra.


O primeiro contato com o mundo artístico, quem diria, não foi com a música. Bernadete atuou em duas novelas, mas não era esse contato com a arte que ela queria ter. A carreira demorou um pouco a deslanchar. O ponto de partida foi a fundação, em conjunto com amigos, da Escola de Samba Império Lapeano, em 1974. Lá Bernadete atuava como intérprete, relações públicas e diretora social. A cantora considera a Império seu amuleto de sorte. Foi através dessa escola que enxergaram o potencial de sua voz e a convidaram para acompanhar os ensaios da Peruche - quando a então intérprete de samba da escola, Eliana de Lima, estava grávida. (O Flores do Samba também a entrevistou. Veja aqui).


Estava tudo certo para que Eliana puxasse o samba da Peruche, em 91. No entanto, a gravidez não permitiu. A filha da cantora nasceu no dia do desfile e Bernadete assumiu o lugar da colega. Foi a primeira mulher a puxar o samba no sambódromo do Anhembi. “Falo até hoje que a filha da Eliana é meu anjo de guarda, porque se ela não quisesse nascer, hoje eu não estaria cantando, ninguém ia conhecer Bernadete”, comenta. Antecessora a Bernadete e da então “Acadêmicos do Peruche” somente Ivonete puxou samba também.


Apesar das portas abertas pela Peruche e do talento que lhe é natural, nem todos os dias da carreira de Bernadete foram fáceis. Já sofreu com o machismo e com o racismo e hoje também sofre por conta da idade. As provações pelas quais passa diariamente são o reflexo de uma sociedade ainda machista e preconceituosa. Duvidam da sua capacidade por ser mulher e, por diversas vezes, já tentaram tirá-la do cargo que exerce hoje na escola. A bagagem artística e a qualidade do trabalho a mantém. “Duvidaram da minha capacidade por ser mulher e ainda tem gente que duvida, por mais que eu seja conhecida, eu ainda sou pior, porque além de tudo o que eu já provei, eu já estou com idade. Não sou mais uma menininha, que tem visual e corpo bonitinho. Ainda tem gente que quer que eu caia porque não acha que sou capaz. Já passei por situações ruins. Provei cantando”, afirma.


Para a compositora, há muita gente boa cantando samba, muitas mulheres dispostas a mostrar o seu trabalho. Porém, as oportunidades estão em baixa. Ela recordou um show que fez no Memorial da América Latina, no bairro da Barra Funda, em São Paulo. “ No projeto “Samba no Memoria”l - apareceu um monte de mulher que cantava. Fiz uma outra apresentação e as mesmas que compareceram aquele dia no Memorial, voltaram nesse outro show. Eu apresentei metade das minhas músicas e a outra metade eu deixei elas se apresentarem. Precisa ver a alegria daquelas mulheres em mostrar o trabalho. E eu fico do lado pra ver se tem erro, mas não tem. Cantam bem, tem expressão corporal e presença de palco, mas não tem oportunidade”, lamenta.


A elitização do samba e das escolas que desfilam no carnaval preocupam Bernadete. Ela acredita que a música é uma arte capaz de abrir os olhos das pessoas, levar alguma mensagem. “Hoje a escola de samba não é do povo. É da televisão. A gente perde identidade e qualidade no samba”, finaliza.



 
 
 

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