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"Duvidaram da minha capacidade por ser mulher"

 

Se por qualquer motivo o nome dela é citado em uma conversa com pessoas ligadas ao samba, o que mais se ouve é “Bernadete? Que voz!” Ou então “Essa canta!”. A voz marcante e o sorriso largo são marcas registradas da cantora e compositora paulista Maria Bernadete Raimundo. Hoje com 64 anos, ela firmou sua carreira na Escola de Samba Unidos do Peruche, na qual atua como Diretora da Ala de Compositores e intérprete da escola.

 

A paixão pelo samba vem de berço. O pai tinha um conjunto de samba e frequentemente, a batucada era feita na casa da família. Bernadete cresceu vendo as rodas de samba acontecerem. Apesar do ambiente ser predominantemente masculino e as mulheres aparecerem para servir os comes e bebes, a cantora conta que conseguia acompanhar a trajetória do pai. “Parece que eu incorporei, só que eu fui mais para o lado de cantar. E foi a partir dele que tudo começou”, relembra.

 

O primeiro contato com o mundo artístico, quem diria, não foi com a música. Bernadete atuou em duas novelas, mas não era esse contato com a arte que ela queria ter. A carreira demorou um pouco a deslanchar. O ponto de partida foi a fundação, em conjunto com amigos, da Escola de Samba Império Lapeano, em 1974. Lá Bernadete atuava como intérprete, relações públicas e diretora social. A cantora considera a Império seu amuleto de sorte. Foi através dessa escola que enxergaram o potencial de sua voz e a convidaram para acompanhar os ensaios da Peruche - quando a então intérprete de samba da escola, Eliana de Lima, estava grávida. (O Flores do Samba também entrevistou Eliana, leia aqui).
 

Estava tudo certo para que Eliana puxasse o samba da Peruche, em 1991. No entanto, a gravidez não permitiu. A filha da cantora nasceu no dia do desfile e Bernadete assumiu o lugar da colega. Foi a primeira mulher a puxar o samba no sambódromo do Anhembi. “Falo até hoje que a filha da Eliana é meu anjo de guarda, porque se ela não quisesse nascer, hoje eu não estaria cantando, ninguém ia conhecer Bernadete”, comenta. Antecessora a Bernadete e da então “Acadêmicos do Peruche” somente Ivonete puxou samba também.

 

Apesar das portas abertas pela Peruche e do talento que lhe é natural, nem todos os dias da carreira de Bernadete foram fáceis. Já sofreu com o machismo e com o racismo e hoje também sofre por conta da idade. As provações pelas quais passa diariamente são o reflexo de uma sociedade ainda machista e preconceituosa. Duvidam da sua capacidade por ser mulher e, por diversas vezes, já tentaram tirá-la do cargo que exerce hoje na escola.

 

A bagagem artística e a qualidade do trabalho a mantém. “Duvidaram da minha capacidade por ser mulher e ainda tem gente que duvida, por mais que eu seja conhecida, comigo é ainda pior, porque além de tudo o que eu já provei, eu já estou com idade. Não sou mais uma menininha, que tem visual e corpo bonitinho. Ainda tem gente que quer que eu caia porque não acha que sou capaz. Já passei por situações ruins. Provei cantando”, afirma.

 

Para a compositora, há muita gente boa cantando samba, muitas mulheres dispostas a mostrar o seu trabalho. Porém, as oportunidades estão em baixa. Ela recordou um show que fez no Memorial da América Latina, no bairro da Barra Funda, em São Paulo. “No projeto “Samba no Memorial" - apareceu um monte de mulher que cantava. Fiz uma outra apresentação e as mesmas que compareceram aquele dia no Memorial, voltaram nesse outro show. Eu apresentei metade das minhas músicas e a outra metade eu deixei elas se apresentarem. Precisa ver a alegria daquelas mulheres em mostrar o trabalho. E eu fico do lado pra ver se tem erro, mas não tem. Cantam bem, tem expressão corporal e presença de palco, mas não tem oportunidade”, lamenta.

 

A elitização do samba e das escolas que desfilam no carnaval preocupam Bernadete. Ela acredita que a música é uma arte capaz de abrir os olhos das pessoas, levar alguma mensagem. “Hoje a escola de samba não é do povo. É da televisão. A gente perde identidade e qualidade no samba”, finaliza.

 

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Bernadete e Eliana de Lima em show no Sesc Belenzinho
Ouça trechos da entrevista com Bernadete:
ENTREVISTA - Bernadete
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